EDITOR DO BLOG A GAZETA DIGITAL É CONDENADO PELA JUSTIÇA A PAGAR 5 MIL REAIS A VEREADOR DE BOM CONSELHO

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
VARA ÚNICA DA COMARCA DE BOM CONSELHO
Proc. nº 1234-88.2013.8.17.0300
Autor: Genival Cavalcante Tavares
Réu: José Carlos Cordeiro 
SENTENÇA
  VISTOS, etc...
          GENIVAL CAVALCANTE TAVARES, devidamente qualificado nos autos em epigrafe, ajuizou a presente AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS em face de JOSÉ CARLOS CORDEIRO conhecido como ZÉ CARLOS DO BLOG A GAZETA DIGITAL, também devidamente qualificado nestes autos, através da qual aduz que o demandado, no dia 01.08.2013, consentiu a divulgação de um e-mail anônimo no blog que administra, agazetadigital.blogspot.com.br, no qual constava informações inverídicas sobre o suposto envolvimento do autor na prática de condutas delituosas, atingido-lhe na sua honra. Em virtude do exposto, requereu a condenação do réu ao pagamento de uma reparação compensatória a titulo de danos morais.
          Juntou documentos de fls. 11/19.
          Decisão interlocutória deferitória de liminar nas fls. 20 e 21.       
          Citação efetivada, conforme documento de fl. 23.
          Contestação apresentada pelo réu nas fls. 24/29, através da qual aduziu, preliminarmente, a carência da ação por ilegitimidade de parte, no mérito, que não pode ser responsabilizada por tal fato uma vez que o blog é apenas um provedor de serviço de internet caracterizado pela divulgação de informações por qualquer pessoa. Afirma ainda que na época do ocorrido não exercia controle preventivo ou monitoramento sobre os conteúdos divulgados, pois o blog é um espaço aberto para o exercício da cidadania e promoção de ideias, motivo pelo qual não deve responder pelas publicações anônimas. Dessa forma, requereu a improcedência do pedido.
          
          Juntou documentos de fls. 30 e 31.
          Réplica nas fls. 37/40, requerendo a procedência dos pedidos.
          É o breve relatório. Decido.
          Com respaldo no art. 330, inc. I do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide. 
          Quanto a matéria preliminar levantada pela ré em sua contestação, entendo por não acolhê-la, em virtude do seu conteúdo se confundir com o mérito da própria ação que deverá ser analisado de forma mais aprofundada. Rejeito, destarte, a preliminar suscitada pela ré.
          Aduz a demandada que a sua responsabilidade é subjetiva, não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor. Também aduz que não tem responsabilidade sobre os fatos declinados na peça exordial, já que o blog é apenas um provedor de serviço de internet caracterizado pela divulgação de informações do usuário.
          Entendo que não assiste razão ao demandado.  
          A par da aplicação do CDC na relação em epígrafe, diante do exercício de atividade profissional remunerada no mercado de consumo pelo réu, sobretudo quando o usuário utiliza a internet como destinatário final desse tipo de serviço, ou quando é atingido por acidente de consumo (arts. 2º e 17 do CDC), inobstante da remuneração ser efetivada de forma direta ou indireta, entendo que cabe a aplicação, em dialogo sistemático de complementariedade do Código Civil, em benefício da parte vulnerável da relação jurídica em exame, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 927 deste último Estatuto jurídico.
          De qualquer maneira, a não aplicação do CDC no caso não implicaria na irresponsabilidade do réu, em virtude do mesmo exercer atividade de risco e ser remunerado através de comerciais, spams ou assemelhados.
          Nesta senda, é de se aplicar a cláusula genérica de responsabilidade civil objetiva prevista na última parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil que preconiza: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (grifado).
          A base da responsabilidade objetiva do réu, destarte, é o risco induzido pelo exercício de uma atividade, resultante da aplicação e acolhimento, pelo ordenamento jurídico brasileiro na hipótese em apreço, da teoria do risco da atividade ou do risco proveito.

          Com base neste entendimento existem julgados, conforme o seguinte exemplo:          
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PRINCIPAL E DE IMPROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO. RECURSO DO RÉU/RECONVINTE. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL E DE NULIDADE POR VÍCIO DE CORRELAÇÃO RECHAÇADAS. MÉRITO DA AÇÃO PRINCIPAL. PUBLICAÇÃO EM BLOG (PÁGINA DE INTERNET) DE CRÍTICAS À REPORTAGEM DE AUTORIA DO DEMANDANTE. DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO. MATÉRIA APARENTEMENTE SEM CARÁTER PEJORATIVO. COMENTÁRIOS CALUNIOSOS E OFENSIVOS PROFERIDOS ANONIMAMENTE POR TERCEIROS E DIVULGADOS PELO REQUERIDO. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO DE FORMA EXCESSIVA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO SEGUNDO À RAZOABILIDADE E À PROPORCIONALIDADE. MÉRITO DA RECONVENÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PLEITO PRINCIPAL QUE NÃO IMPORTA NECESSARIAMENTE EM IMPROCEDÊNDIA DO RECONVENCIONAL. AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DE DESTINATÁRIOS DO ARTIGO DO RECONVINDO. REPERCUSSÃO NA ESFERA PESSOAL DO RECONVINTE INDEMONSTRADA (ART. 333, I, CPC). AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SC, Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento: 16/06/2014, Sexta Câmara de Direito Civil Julgado).

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSERÇÃO DE VÍDEO OFENSIVO EM SITE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA PROPRIETÁRIA DO SITE AFASTADA. RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE SERVIÇOS E MANTENEDOR DO SITE. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO. JUROS DE MORA. CONTAGEM A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DA PARTE RÉ PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. A empresa mantenedora de site, que aufere benefícios financeiros em razão de visitas neste, é parte legítima para figurar como ré nas ações de reparação de danos morais cometidos através de seu sistema, bem como também é responsável pela reparação de danos morais advindos de atos lesivos cometidos por intermédio de seus serviços. A fixação dos danos morais está subordinada à posição econômica do pagador, à gravidade de sua culpa e à necessidade de repressão à reiteração de condutas lesivas, sem importar, obviamente, em enriquecimento ilícito à parte beneficiária da reparação. Havendo condenação na reparação de danos decorrentes da prática de ato ilícito, a correção monetária flui da data do arbitramento da indenização e os juros moratórios incidem a partir do evento danoso. Os honorários advocatícios devem ser fixados conforme os limites e critérios de que trata o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, tendo presentes o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (TJ-SC, Relator: Stanley da Silva Braga, Data de Julgamento: 07/06/2011, Primeira Câmara de Direito Civil).
          A Lei n.º 12.965, de 23 de abril de 2014, que regulamentou o marco civil da internet, dispõe que a responsabilidade dos provedores será supletiva, isto é, nos casos dos provedores de aplicação não cumprirem ordem judicial específica.   
          Art. 18.  O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.    
          Art. 19.  Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.  
          Não obstante o entendimento consagrado a partir da entrada em vigor da Lei 12.965/2014, entendo que os artigos 18 e 19 da referida lei são de aplicação duvidosa, porquanto parece emergir clara a sua inconstitucionalidade, em virtude de interferir na efetivação do princípio da reparação integral, que é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF/1988). É que não pode existir mitigação do princípio da reparação integral previstos tanto no Código Civil, quanto do Código de Defesa do Consumidor, havendo lesão a direito da personalidade do cidadão, sob pena de violação direta do princípio da dignidade humana. Portanto, mantenho o entendimento já consagrado por outras decisões, no sentido da responsabilização daqueles que mantém sites, blogs etc., pelos danos ocasionados aos direitos da personalidade do homem.   
          Considerando a responsabilidade objetiva da empresa demandada, os documentos de fls. 15/19, juntados pelo autor aos presentes autos, assim como a confissão do réu quanto à veracidade do fato da existência de conteúdo ofensivo à honra do autor em site de divulgação de informações postadas por um anônimo intitulado "Acorda Bom Conselho", o pleito autoral deve ser acolhido em razão de ter atingido a sua honra subjetiva e objetiva.
          Tratando-se o dano moral de consequência de violação aos aspectos existenciais da pessoa humana, entre estes direitos da personalidade do homem, tutelados pela clausula genérica de proteção à dignidade humana (CF, art. 1º, inc. III), não sobeja qualquer dúvida que tal espécie de dano extrapatrimonial configurou-se no caso ora analisado, independentemente qualquer comprovação dos elementos anímicos que presumidamente ocorreram ao autor.   
          Para fixação do quantum satis, a míngua de critérios objetivos para tanto, o juiz deverá levar em consideração, a natureza prevalentemente compensatória da reparação por danos morais, a sua natureza subsidiariamente pedagógica, a capacidade econômica das partes, a extensão do dano, a existência ou não de sequelas à saúde da vítima, as circunstâncias do caso concreto e as condições pessoais da vítima.  
          De mais a mais, deve o magistrado nortear-se pelos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, a fim de não dar causa a enriquecimento injustificado para a vítima ou não determinar a quebra da função lenitiva e pedagógica da reparação compensatória. 
          Entendo que o caso representado pela divulgação de fl. 17 na qual constam menções existentes contra a pessoa do autor induz um juízo alto de reprovabilidade, não tendo o mesmo contribuído, de qualquer maneira, para a causação do evento danoso. Ademais, o fato é extremamente gravoso à honra de um cidadão, causando-lhe presumidamente graves sequelas psicológicas. Acrescente-se a isso o fato do autor exercer mandato legislativo de Vereador nesta cidade, fato que, por si só, é capaz de gerar graves danos à sua imagem profissional. 
          Por outro lado, deve-se ter o cuidado de não se atribuir um efeito prevalentemente punitivo a este tipo de reparação pelo que não podem ser atribuídos valores astronômicos a título da reparação por danos morais.
          Diante do expendido, julgo justa e razoável a fixação do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a reparação compensatória por dano extrapatrimonal.  
          Ante o exposto, com base em tudo que até aqui analisei, JULGO procedente o pedido do autor, no sentido de CONDENAR o réu, JOSÉ CARLOS CORDEIRO conhecido como ZÉ CARLOS DO BLOG A GAZETA DIGITAL, a pagar ao autor, GENIVAL CAVALCANTE TAVARES, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de reparação por danos morais, valor este acrescentado de juros de 1% ao mês, incidentes desde a data da citação, e de correção monetária incidente desde a data da fixação do valor da reparação, isto é, data desta sentença, assim como mantenho os efeitos da tutela antecipada concedida nestes autos às fls. 20 e 21 e CONDENO o mesmo réu a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios os quais estabeleço na base de 15% sobre o valor da condenação, ao tempo em que extingo o presente processo com resolução do mérito nos termos do art. 269, inc. I, do CPC.
          P.R.I
          Bom Conselho, 03 de setembro de 2014.
                                                     Marcelo Marques Cabral
                                                                  Juiz de Direito

Postar um comentário

0 Comentários